Santa's stories - O velho


 Então ele saiu do shopping depois de ter trocado de roupa e pegou o ônibus para ir para casa. Viu toda aquela gente com sacolas e mais sacolas nas mãos. Aqueles pirralhos fedidos e piolhentos, mais alguns para somar na conta de quantas crianças vira hoje.
 Senhor Cristóvão F. Luarde. Um senhor decrépito, gasto, vetusto, barbudo. O beberrão o ano todo podia ser visto em um boteco na periferia, jogando truco e bilhar com um calção marrom, descamisado e mostrando a enorme pança de fora (e mesmo quando estava vestido, ainda podíamos ver parte da bola de banha envolta em pele caindo para fora) e um boné de um ex-vereador da cidade (que até tinha morrido ano passado).
 Vivia da aposentadoria que ganhava , mas durante a mágica época consumista, também conhecido como Natal, ele era a alegria da criançada como o Bom Velhinho morador do Polo Norte. Odiava com todo o seu coração infartado duas vezes vestir aquela maldita roupa quente, mas, além do incentivo financeiro, amava as crianças.
 Não, ele não gostava de colocar aqueles nojentinhos, alguns gordos e outros fedendo a suor, no seu colo mas sim por que ele tinha um "afeto especial" por elas. Adorava colocar as menininhas bem vestidas entre suas pernas, às vezes até meninos. Mas não, ele não era um velho que nunca experimentou ser pai e não conhecia a ingenuidade infantil. Aliás, era pai de Jéssica, que já tinha 20 anos e se preparando para deixar o barraco suburbano.
 Era solitário. Sua mulher, Anastácia, morrera antes de que pudesse ver a recém-adotada Jéssica. Ao chegar ao retornar do juizado onde tinha ido para assinar as papeladas finais e ter a pobre menina em sua família, viu a esposa caída e ensanguentada no banheiro. A autópsia contou que ela tinha sofrido um ataque cardíaco no banheiro e batido a cabeça na privada, caindo sem vida no mesmo instante. Cristóvão já teve um filho com Anastácia, porém este morreu 25 anos atrás, atropelado por um ônibus aos 5 anos. O velho nunca lidou bem com a morte, pois esta a acompanhava desde que viu sua mãe ser morta pelo pai. Somou o trauma com a mãe e o ainda fresco pesar de perder o filho com a tragédia com a esposa e teve uma crise nervosa. Boatos que foi aí que teve suas primeiras experiências com crianças, usando a pequena Jéssica de cobaia.
  O macróbio septuagenário chegou em casa. Passaria a noite de natal sozinho, pois Jéssica estava trabalhando. Aproveitou para comer alguma bobagem e foi para internet saciar sua vontade sexual. Estava tudo muito bom e ele estava terminando de sentir prazer ao se tocar quando um fogo de artifício estourou próximo de sua casa, fazendo o velho se assustar. O seu coração, que estava bombeando sangue rapidamente para as partes baixas, parou bruscamente. O ancião ainda tentou puxar ar, mas seu pobre coração infartado duas vezes não funcionava.  Caiu para trás com a cadeira, ainda com o "peru natalino" de fora. Infartou a terceira e última.

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