Postagens

Mostrando postagens de 2014

Santa's stories - Papai Não-Tão Noel

- Encha meu copo, Thiago. Encha e fica aí que hoje eu to voltando pro meu bico favorito. Encha e fica aí que eu vou te contar o porquê ele é meu favorito. E não adianta fingir que tem que atender clientes que eu to vendo pelo reflexo do teu óculos fundo-de-garrafa que não tem ninguém nessa bodega.   Faz tempo que eu não retornava a fazer esse bico. Também pudera, na última vez fui acusado de arrotar na cara de um pirralho. Mentira, calúnia, difamação. Eu já soltei uns puns enquanto essa molecada esperneia no meu colo (claro, expediente logo após o almoço com feijão, suar no calor brasileiro com a bendita roupa vermelha e peluda, crianças saracoteando e revirando o estômago e o rabo assado de ficar sentado só podiam resultar em gases; seria humanamente impossível ficar confortável nessas condições) , mas nunca um arroto. Acabei sendo "suspenso" de ser Papai Noel por uns anos.  Eu gosto de me vestir do "bom velhinho" e estava com saudades, admito. Não por rea...

Teresas de Teresa

Fica by Chico Buarque on Grooveshark "Tereza ou teresa : informal para corda confeccionada com lençóis, cortinas, roupas que é geralmente usada para fuga de sanatórios, hospitais, presídios, etc. " *** Era uma vez... Eram duas vezes... Eram três vezes... Eram tantas vezes que se perdiam entre os numerais. Volátil, sutil, bailarina que desviava das algemas e mágica que escapava das correntes que tentavam lhe por. Nunca se prendeu por muito tempo. Ou melhor: nunca se prendeu. Teresa era fugitiva nata. Fora anatomicamente desenhada para escapar por aí. Com grandes olhos frios e negros,  tal qual câmeras ligadas 24 horas por dia,  captavam  os movimentos ao seu redor. No menor sinal de perigo, fazia com que seus pequenos pés tocassem o chão mais vezes e mais rápido do que você leu a palavra "palavra". Suas mãos, também pequenas, foram projetadas para não sustentarem por muito tempo responsabilidades, sempre as deixando cair. Quando a ajudavam e colhia...

Meios de um mesmo final

Hamburg Song by Keane on Grooveshark   Nas veias corria um sangue com adrenalina, num movimento frenético que demonstrava insegurança. Nenhum dos dois mantinham um contato visual, mas ela sabia que estava sendo observada. Os olhos marrons que devoravam a carne, fixos e quase que pontiagudos, agora estariam em um vermelho flamejante, num desejo vazio de alcançá-la e fazê-la encarar sua face. Ao menos é o que ela imaginava.   A mão pequena e branca contrastava com a mão dele, enorme pele morena que a segurava. De longe o casal sumia por entre o céu nublado, as gotas de chuva e o trânsito.   Em seu sobretudo preto, a garota parecia escapar do olhar dele.  Descendo a rua curva, os corpos pareciam diminuir a cada passo, até o momento em que desapareceram de vez. Ninguém notou que ele chorava por causa da chuva, mas o peito doía uma saudade, um ódio, uma solidão que só ele sentia.  *  *  *   "É demais pedir para ser amado?" era a pe...

Platonismo online.

Lovesong by The Cure on Grooveshark  Conhecia tudo dele: as fotos da viagem para Barcelona, a tatuagem em mandarim que significava seu nome, o bar que mais frequentado por ele e os amigos, o twitter com postagens de setembro de 2012. Foi por acaso, visitando uma página de amigos dos amigos da amiga ou talvez vendo os comentários nesses sites por aí. Isso. Se não se engana, eram comentários na página de amigos da amiga sobre alguma tirinha boba tirando sarro dos engenheiros mecânicos, profissionais do curso que ele estudava. Gostou do jeito que ele articulou um argumento usando uma frase famosa de um filme que ela gostava. Desde então descobriu um amor com o nickname de Cadu H. Moura. Os links para suas redes sociais estavam favoritados e ela acompanhava a movimentação. Uma semana sem uma fotinho no Instagram era motivo de choro e de busca em hospitais e IML. O que curtia era privado e dificultava um pouco a descobrir seus gostos, mas aqui e acolá postava um "Bom dia", u...

Entre dois amores.

 Uma de cabelos negros e pele branca. Sempre fria, séria, consistente em um único objetivo: seu próprio prazer, saciando sua ânsia demasiada. Moça de muitos, odiada por muitos mais e temida por outros tantos de muitos. As roupas consistiam em vestido com meia-calça ou camisa, calça jeans e bota, sempre acompanhados de sua jaqueta de couro, formando um conjunto nunca de outra cor senão preta. Contrastando com os braços brancos, o desenho da caveira do Dia de Los Muertos coloria a pele áspera. Os olhos lembravam a cavidade ocular do desenho que carregava consigo: fundos e com olheiras, ela destacava-os com maquiagem escura contornando o olho escuro de nascença. Dominava a língua alemã, coisa que só uma nativa poderia fazer igual, transitando por acusativos e genitivos com uma seriedade de uma  blitzkrieg . Acessórios? Apenas uma carteira de cigarro e do canivete no lado de dentro da jaqueta. Sempre acompanhada de copo de bebida, o canivete com lâminas de várias f...

De ponto em ponto.

Começou pegando o Los Angeles - viu a parte mais bela da riqueza. Depois teve que pegar o Novo Mundo - não viu nada de novo diferente do mundo antigo. Pegou o Vila Rex - conheceu um antigo que era novo para ele. Obrigaram a pegar o Agrícola - apenas viu tudo em cinza e nada em verde. Não teve receio em pegar o Canal da Música/Vila Alegre - entristeceu ao só ter funk para ouvir. Com tristeza, pegou o Solitude - se perdeu na depressão. Também pegou o Centenário/Campo Comprido - não reconheceu o campo que conhecia. Devia ter pego o Santa Cândida/Capão Raso - mas a fé era rasteira naquele lugar. Pegou carona no Pinheirinho - esperava parar lá em Araucária. Pegou o Vila São Paulo - orou para todos os santos o tirarem de lá. Se converteu e pegou o Cristo Rei - amém. Queria pegar a Novena - quando chegou, não tinha mais. Se surpreendeu ao pegar o Estudantes - a educação não tinha lugar preferencial. Adorou quando pegou o Formosa - as curvas o cativaram. Pegou todo...

Sangue e batom.

Janie's Got a Gun by Aerosmith on Grooveshark Era tarde demais para as últimas palavras serem chorosas. Se bem que, se dependesse dela, isso seria a única coisa capaz de não acontecer. Acontecia sim uma lágrima manchada de rímel, que fazia rapel na pele branca. A dor era excruciante, mas nada parecia a afligir mais do que se  passava dentro da cabeça da morena. Na barriga, o buraco formado no corpo expelia uma mistura líquida de cor vermelha que continha ira interna e luxúria passional, pecados que ela cometia com sabedoria. Fruto de uma tentativa de estupro, o projétil se escondia dentro dela, aproximadamente entre o estômago e o cólon transverso. Quem atirara nesse momento já estava planejando a próxima vítima para saciar a vontade, aliado de seus amigos. Torcia ela pra que o veículo dos mal feitores capotasse. Podia ligar para a polícia, para a ambulância ou para a família (ou o que restava de uma), mas apenas seu amante a interessava. Não ligou. Esperaria mais um po...