Santa's stories - Papai Não-Tão Noel
- Encha meu copo, Thiago. Encha e fica aí que hoje eu to voltando pro meu bico favorito. Encha e fica aí que eu vou te contar o porquê ele é meu favorito. E não adianta fingir que tem que atender clientes que eu to vendo pelo reflexo do teu óculos fundo-de-garrafa que não tem ninguém nessa bodega.
Faz tempo que eu não retornava a fazer esse bico. Também pudera, na última vez fui acusado de arrotar na cara de um pirralho. Mentira, calúnia, difamação. Eu já soltei uns puns enquanto essa molecada esperneia no meu colo (claro, expediente logo após o almoço com feijão, suar no calor brasileiro com a bendita roupa vermelha e peluda, crianças saracoteando e revirando o estômago e o rabo assado de ficar sentado só podiam resultar em gases; seria humanamente impossível ficar confortável nessas condições) , mas nunca um arroto. Acabei sendo "suspenso" de ser Papai Noel por uns anos.
Eu gosto de me vestir do "bom velhinho" e estava com saudades, admito. Não por realmente ter o caráter de um caridoso senhor, ou pelas crianças, ou pelas características físicas do velho da Coca-Cola. Nem é mesmo pelo dinheiro extra que entra. É pelo jeito especial e diferente com que encaro o Natal.
Primeiramente é pela atenção. Fodam-se as crianças. Todas estão lá para me ver e terem fotos comigo. Ah... e saber que se enfileiram para me ver. Pode até ser um pouco doentio, mas para quem foi esquecido pelos filhos e quase posto em um asilo, cultivar uma nojenta barba branca durante todo o ano só para levar uns puxões nela nos dias de dezembro vale cada fio demoradamente penteado.
Depois, é pela minha própria forma de celebrar. Eles não me chamavam de Papai Noel antigamente, mas sim de Rudolph, que é a rena do nariz vermelho. Só de pensar que costumava cheirar fileiras e fileiras de "neve" já sinto saudade da época da minha juventude. Certa vez eu dei um pipoco bem dado de baixo para cima nas ventas de um sujeitinho que tentou botar a naba na minha "neve". Bom, agora não tem mais idade (leia-se pulmões sem fôlego) para tal aventura juvenil. Mas mesmo assim. Natal me lembra de juventude, me lembra daqueles bastardos que chamava de família reunida em torno de um filha da puta de um peru, cujo qual eu tinha comprado para ver aqueles ingra... Enfim...
A última é ouvir as crianças. Não por realmente ouvi-las, mas por ver seus pequenos olhos capitalistas falando sobre o que querem ganhar de mim e, no fim, receber um abraço meu e uma balinha. Ver seus sonhos de presentes se esvair em minha mão cheia de balas é o mesmo que trazê-las para a vida real. Mesmo aquelas que pedem paz, amor e toda essa presepada hipócrita de boas coisas para o mundo e não para elas, TODAS ELAS, sem exceção, sentem que seu altruísmo indo pelo saco abaixo.
Enfim Thiago. Amanhã eu volto e conto como foi o primeiro dia.
***
- HOHOHO. Olá queridinha.
- Oi Papai Noel.
- Qual o seu nome e quantos anos você tem?
- Luana e tenho 8 anos.
- Então... Senta aqui e me conta se você tem se comp...
- Papai Noel, vamos fazer o seguinte: eu continuo conversando e sorrindo com você, para o trouxas dos meus pais ficarem felizes, e você só abana a cabeça, sorri, depois põe sua luva suada no pote, tira umas balinhas e me dá. Okay? Okay. Eu sei que você não pode me dar merda nenhuma e sei também que você é só um velho gagá querendo ganhar uns trocados.
- HOHOHO. Mas onde você viu isso, Luísa?
- Viu, tô te falando que você tá gagá. Eu me chamo LUANA, L-U-A-N-A. E eu vi isso na internet. Eu sei que essa palhaçada toda é só pro papai me fazer acreditar que o presente que ele comprou e está embaixo da cama deles vai ser entregue por um velho em um trenó puxado por renas. Aliás, se eu fosse pedir algo, eu pediria que você falasse com eles para eles trocarem o presente. Eu pedi uma Monster High e eles me deram uma Barbi Sereia. Me diz se não é de foder?
- Seus pais sabem que você fala assim, sua pentelha?
- NÃO. E você não é nem doido de falar nada ou falo que você me abusou.
- Ah meninha... tô, toma suas balas e sai daqui.
- Dá tchau pro Papai Noel, amorzinho.
- Tchau Papai Noel. Obrigada. Mamãe, sabe o que eu pedi? Uma Monster High. Espero que ele me traga a certa ou vou ficar tão tristinha.
***
- THIAGO! Enche meu copo. Esses pentelhos estão ficando cada vez mais exigentes.
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