Meios de um mesmo final


  Nas veias corria um sangue com adrenalina, num movimento frenético que demonstrava insegurança. Nenhum dos dois mantinham um contato visual, mas ela sabia que estava sendo observada. Os olhos marrons que devoravam a carne, fixos e quase que pontiagudos, agora estariam em um vermelho flamejante, num desejo vazio de alcançá-la e fazê-la encarar sua face. Ao menos é o que ela imaginava.
  A mão pequena e branca contrastava com a mão dele, enorme pele morena que a segurava. De longe o casal sumia por entre o céu nublado, as gotas de chuva e o trânsito. Em seu sobretudo preto, a garota parecia escapar do olhar dele. Descendo a rua curva, os corpos pareciam diminuir a cada passo, até o momento em que desapareceram de vez. Ninguém notou que ele chorava por causa da chuva, mas o peito doía uma saudade, um ódio, uma solidão que só ele sentia.

 *  *  * 

 "É demais pedir para ser amado?" era a pergunta que fazia sua cabeça. A mancha cor-de-grama tremulava dentro do olho. Sob a água acumulada na pupila ficava difícil ver o copo de vodka. Debatia com o copo questões sobre a solidão e tristeza. Não estava bêbado (aguentava beber ), mas a voz estava embargada de dor. A solidão parecia lhe acompanhar como um estado de espírito, uma doença na alma. A moça terminara com ele esta noite. Algumas horas antes estava preparando um jantar quando foi chamado para "conversar sério" com ela. Reagiu com ódio e furor a princípio. Agora encarava o prato vazio que demorou para ver o fundo. Engolia lágrimas e aperto no coração a cada garfada. Resolveu tomar alguns copos para afogar a dor, mas, quando viu, já terminava a garrafa. O álcool não fez bem com a comida, mas a dor mais forte estava acima do estômago e entre os pulmões.

 *  *  * 

  Revirando entre o lençol arrancado do colchão e a coberta amassada e emaranhada podíamos encontrar dois seres nus em profundo sono. Recostado no braço dormente dele, os cabelos se espalhavam do ombro até o peito. Olhos marrons se abrem, de modo tímido e intimidados com a luz do sol, que invadia o quarto, passando pelo vidro sujo e pelas persianas. As íris escuras se arregalavam por um momento. "Que horas são?" é o motivo do susto repentino dele. Desajeitadamente vira a cabeça e caça com a outra mão o celular. Os olhos se fecham peraltamente num sorriso de alívio ao descobrir que é manhã sábado. Joga o aparelho na cabeceira e relaxa a mão no peito da namorada, satisfeito de dormir mais umas horas.
  1. 2. 3 horas correram o relógio desde o susto do atraso. Ela acordou a 20 minutos, mas precisa rever os acontecimentos, deitada na cama e vislumbrando o teto. Vem postergando isso para mais para frente, jogando para baixo do tapete, ignorando, desviando os pensamentos, mas não houve escapatória agora. A mente a pegou de jeito, fazendo com que desabafe para si mesma o que anda ocorrendo. Ele ainda dorme e ronca um sono pesado, mas não a atrapalha.
  Ela sente que não é mais como antes. Reiterando o clichê "não é você, sou eu", ela se sente assim. Não é que ele seja ser perfeito - longe disso -, mas ... sabe ... cansou. Tipo brinquedo novo, que só serve para descobrir as novidades, ela não encontra nele incentivo para o desejar mais. Esfriou. O amou de forma quente, não pode negar. Teve um sexo bom também, não podendo colocar a culpa nisso. Era carinhoso e independente na medida certa, apesar de ainda apegado a um amor prestes a romper. Era bom, mas enjoou. Sentia até saudade do ex.
  Sabia que um final sem motivo para o namoro acabaria com o rapaz, não deixando resquícios para montar uma amizade. Um adeus desse jeito nem ela gostaria de receber. Mas prezava por si mesmo e por sua felicidade. Mesmo que efêmera e momentânea, precisava amar o amor agora. Não pensava que no futuro seria feliz com ele e que... blá blá blá. Tudo balela e perda de tempo para ela.

 *  *  * 

  Era passado um mês que tinham se separado. Ainda havia dor nele. Gostava de pensar em como a estaria amando hoje. Sobras de uma saudade voltavam constantemente para assombrá-lo. Gostava. Sentia que o fazia viver de novo, mas no fundo conhecia que isso era sua fraqueza. Que em noites de fragilidade isso o faria desmoronar. Afundar e fincar o resto de tristeza em si. Resolveu dar uma volta por aí, apesar do tempo que prometia chuva.
 Andou em direção ao Shopping.  Se espantou ao virar a esquina, ao mesmo tempo que a promessa se cumpria. No lado oposto, de casaco vermelho e acompanhada, viu a ex-amada rindo com um companheiro ao lado. Era o casaco que ele tinha dado para ela. Eles não eram amigos. Sabia como era estar no lado dela. Ambos fizeram contado visual. O riso no rosto dela se fechou em uma boca séria. Houve tensão nos dois em como agir, mas pareceram concordar que fariam papel de pedestres que não se conheciam. A tensão aumentou ao cruzarem um do lado do outro.
 Ela seguiu reto, mas ele virou sem pudor. Encarou as costas do casal. A mão pequena e branca contrastava com a mão dele, enorme pele negra que a segurava. De longe o casal sumia por entre o céu nublado, as gotas de chuva e o trânsito. Os olhos azuis dele estavam fixo e assim ficaram até que os viu sumir. Reconheceu a solidão como única eterna companheira e a tristeza como amante.

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