Platonismo online.


 Conhecia tudo dele: as fotos da viagem para Barcelona, a tatuagem em mandarim que significava seu nome, o bar que mais frequentado por ele e os amigos, o twitter com postagens de setembro de 2012. Foi por acaso, visitando uma página de amigos dos amigos da amiga ou talvez vendo os comentários nesses sites por aí. Isso. Se não se engana, eram comentários na página de amigos da amiga sobre alguma tirinha boba tirando sarro dos engenheiros mecânicos, profissionais do curso que ele estudava. Gostou do jeito que ele articulou um argumento usando uma frase famosa de um filme que ela gostava. Desde então descobriu um amor com o nickname de Cadu H. Moura. Os links para suas redes sociais estavam favoritados e ela acompanhava a movimentação. Uma semana sem uma fotinho no Instagram era motivo de choro e de busca em hospitais e IML. O que curtia era privado e dificultava um pouco a descobrir seus gostos, mas aqui e acolá postava um "Bom dia", uma música de uma banda francesa, um filme com aquele outra atriz americana, uma selfie em alguma praia. Fazia o dia de uma menina feliz e nem sabia.
 Ela resolveu que ia encontrá-lo hoje, depois de meses de coração apertado no peito e de um amor que explodia nas noites solitárias e depressivas ou um libido que deslisava pela barriga e acabava entre as pontas do dedos e o começo dos grandes lábios. Depois de um post com o título de "Indo para o bar do china" e com a foto de uns outros ao redor do desejado, engoliu por minutos o medo e disse para si mesma que iria lá. O problema já começou ao se vestir. Não sabia como se arrumar para ele: vulgar ou mais recatada? Jovem ou com jeito de madura? Inteligente ou nem tanto? Seria capaz de se tornar outra para agradar Cadu. Então montou uma personagem com tudo que tinha para agradar o dito rapaz. Um shorts mostrando a perna, mas com meia-calça para dar um tom de "mostrei sem mostrar". Um coque nascia na cabeça, dando um ar maduro e que logo era cortado por um batom num tom de pele claro e bem jovial. O óculos e a camisa de um filme não tão famoso e que acabara de ser retalhada para dar espaço a um decote maior fariam a parte inteligente no look, que se completava com uns brincos e outras badulaques espalhadas pelo corpo.

 Chegou no lugar e já estava com a segunda dose de vodka quando notou que ele chegara. O corpo não continha o coração de alegria e os olhos cintilavam um brilho comparável a uma noite de céu limpo. Já que ele já estava aqui, daria um tempo, sem a companhia de copos para que não se desequilibrasse (física e emocionalmente), e iria a caça (ou ser caçada). Deu tempo demais e uma outra já estava nos braços do rapaz. Foi no banheiro e se trancou em uma das cabines. Chorou uma súplica baixinho e limpou o rosto nas costas do pulso. Foi para o espelho e, com o copo de plástico deixado na bancada, tomou um pouco de água para se acalmar. Nesse exato momento, a concorrente sem nome entrava porta a dentro. Planejou de supetão uma artimanha para tirá-la de circulação. Ela não iria sair daqui sem ele. 
 Elogiou os sapatos da inimiga com o intuito de puxar assunto e atrair a vítima para sua teia de mentiras. Comentou que estava procurando alguém para acalmar os desejos da carne e essa foi sua deixa. Tirou da bolsa um pequeno Tic-Tac e pôs na boca. Logo após encheu o copo de água da torneira e disse:

- Menina do céu, descobri um remedinho que faz para uma garota o mesmo que o Viagra faz para o homem.

 A isca foi mordida: a outra comprou a mentira com seu olhar de interessada. 

- Sério? Me conta mais.
- Então, isso faz do nosso ponto G ponto HIJK...uma loucura. Te dá um arrepio primeiro. Logo após você sente os hormônios a flor-da-pele. Daí...hmmmm...você vira uma leoa.
- Onde eu compro isso? Você tem aí? Sabe...talvez hoje eu possa usar.

 Os risos sapecas tomaram o banheiro. Ele foi verificar na bolsa para achar, mas já sabia o que encontrar. Jogado lá no fundo, depois de algum incidente estomacal, a cartela de laxantes brilhava com a luz vinda do teto. Tirou uma cápsula branca e deu para a colega. O formato oval encostou na língua e foi engolido com água. Desejou boa sorte e saiu contendo o riso do local.
 O tempo passou e 15 minutos passaram. Ela olhava ele olhando para o relógio. Era a chance de agarrar a oportunidade pelos braços, uma vez que a concorrência foi descarga a baixo. Caminhou até Cadu e começou a jogar seu charme, comentando sobre coisas que já sabia antecipadamente do rapaz. Falou de viagens para Barcelona que tinha feito, de como entendeu o que estava escrito na tatuagem já que sabia mandarim e etc.. Passou de princesa e se entregou ao seu eu piranha. 

 A porta do apartamento dele abre. Um amontoado de dois corpos rolam pelas paredes, buscando um caminho e abrindo espaço para chegar na cama de Cadu. O rastro de roupa nos leva até o lugar. O corpo não continha o coração de alegria, os olhos cintilavam um brilho comparável a uma noite de céu limpo e seu desejo sexual se espalhava por entre as pernas numa cãibra gostosa de se sentir ao ser penetrada. Ela conseguiu ter o que desejava e o seu platonismo se regozijava nos músculos do moço. Eles adormecem depois de jatos de felicidades.
 Cadu acorda e vira para sua amada da noite passada. Durante a noite pensou que talvez fosse essa que seria a qual levaria para o resto de sua vida. Mente aberta, parecia ter os mesmos gostos e amava com prazer. Viu que ela, cujo nome nem sabia, tinha ido embora. Normal. Não foi a primeira e nem vai ser a última a fazer isso. Apenas foi a primeira a escrever um bilhete e deixar no travesseiro.


Eu sabia tudo sobre você, querido Cadu.
Conheci o que podia conhecer de você e, essa noite, conheci o resto 
(você é melhor ainda na vida real).
Eu conheço você e nunca vou poder dizer um "Sê meu e me deixar ser tua".
É ilusão, eu sei. Você tem planos e não sou um deles. 
E também tem portos e aeroportos, mas eu não estou em nenhum deles.
Talvez um dia. Quem sabe? 
Eu te amo para saber que não tem espaço para mim em você.

Sua admiradora e stalker.

 Cadu não entendeu nada. Achou que ela ainda estava bêbada na hora que escreveu isso, mas se alegrou com o platonismo da moça. Mas logo agora que estava pronto para gostar de alguém que o amarasse na cidade, a estranha o deixa sem mais nem menos. Decidiu tocar para frente, tomar o café e assistir o noticiário matinal. Ficou assustado ao descobrir que uma menina foi encontrada morta dentro do banheiro devido a uma reação alérgica no mesmo bar que tinha ido horas antes.

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