Lacuna
Sobre perceber que não pertencemos nem somos pertencidos.
1º ato: Desejo remanescente
Como uma prece pagã, te recitava entre gemidos inexpressíveis e gritos incaláveis na esperança de invocar tua reencarnação. O acaso enterrou teu corpo longe dos meus olhos, mas meu desejo persistia em teu encalço. E por que não persistiria? Abruptamente me deixaste de lado, como quem sem motivo aparente abre a porta do carro em movimento e empurra para longe de si o passageiro, permitindo que esse levasse em seu tombo apenas uma mala com promessas, projeções e Polaroids. Seu termo forçado obrigou a abreviar o que inocentemente ou pecaminosamente desejava de ti. Orava por tua presença astral como pura beata ao mesmo tempo que implorava teu contato físico como uma amante masoquista.
Enquanto não te ressuscitava, me martirizava por perder-te. "Por que não te disse isso antes?", "Por que não te encontrei mais?", "Por que exaltei o tempo e evitei de falar contigo?". Torturas de um passado em que tinha você ao alcance das mãos, mas que, por capricho, larguei. As questões ecoavam pela cidade, vagando em busca de quem pudesse respondê-las, mas os autoflagelo era inútil. As respostas, ao contrário do que eu queria acreditar, não eram encanto mágico que te chamariam de volta caso colocadas na ordem correta. Serviam apenas para reformular a dor: a mente deixava de sofrer por te perder e sofria com hipóteses que nunca seriam confrontadas.
Na ânsia de te ter, resolvi te reproduzir.
2º ato: Caça
Tentei diversas vezes refazer você em outrem; beijos em outros lábios, toques em outros corpos, cheiros em outros perfumes, teu sexo em outros sexos. Te superaria apenas quando a incansável busca me entregasse alguém como você. Recriei meus tatos, esperando incessantemente te encontrar em outras personalidades. Porém, como uma receita guardada na memória de quem frequentemente esquece das coisas, tua imagem foi aos poucos desaparecendo da minha mente, fazendo com que o ato de te reconstruir fosse mais trabalhoso que outrora. Assim como a invenção de Gutenberg, tentava te imprimir fora do âmbito restrito da minha imaginação e lembrança, usando outros corpos como papel. Contudo, era visível que os moldes que encaravam o meu esforço de te recriar não assumiam a tinta que insistia em tingi-los. Algumas impressões não guardavam semelhança contigo. Apenas um desperdício de energia ao produzir verdadeiros Frankensteins. Outros conseguiam vestir a projeção que eu lhes dava. Entretanto, apenas paladares menos refinados não perceberiam as diferentes essências. Por fim, no último suspiro de esperança, refiz meus passos - literalmente. Caminhava pela cidade em lugares impregnados com sua recordação. Olhares dispersos esperavam encontrar os teus.
3º ato: Queda do Paraíso
A dualidade mexia comigo. Sentimentos confusos - raiva, tristeza, solidão - desembocaram na ferocidade amarga de um cão de caça e na carência de um gato ronronante: queria te confrontar, expor minhas feridas, te cobrar respostas e, simultaneamente, teu afago, teu sexo e tua permanência em mim.
Mas como encarar novamente quem me deixou assim? "Hello, stranger" de repente não parecia opção naquele momento.
Foi apenas quando encontrei meus próprios olhos em um espelho e vi a ruína que me encarava de volta é que pude então abrir a porta da jaula em que tinha me colocado. Não me cabia mais a busca revoltada nem a luxúria. Não me cabia mais te querer.
Não me cabia você.
3º ato: Queda do Paraíso
Mas... o que faria se te encontrasse?
A dualidade mexia comigo. Sentimentos confusos - raiva, tristeza, solidão - desembocaram na ferocidade amarga de um cão de caça e na carência de um gato ronronante: queria te confrontar, expor minhas feridas, te cobrar respostas e, simultaneamente, teu afago, teu sexo e tua permanência em mim.
Mas como encarar novamente quem me deixou assim? "Hello, stranger" de repente não parecia opção naquele momento.
Foi apenas quando encontrei meus próprios olhos em um espelho e vi a ruína que me encarava de volta é que pude então abrir a porta da jaula em que tinha me colocado. Não me cabia mais a busca revoltada nem a luxúria. Não me cabia mais te querer.
Não me cabia você.
A pele que projetara em mim já não me pertencia. A que lhe vestia, muito menos.
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