Santa's stories - Os três fantasmas de Natal me visitaram na mesma noite
Passado
Fizemos contato visual.
Quando me deparei com aquela mulher no outro lado do saguão, as mais diversas sensações surgiram. Certamente a visão me atacou primeiro: estava deslumbrante em um vestido preto com transparências, que ressaltava-lhe as curvas e preenchimentos. Contudo, a jaqueta de tom verde escuro parecia a proteger frio, medos sociais e de quem a examinasse demais. O cabelo solto, levemente bagunçado e que descia até a altura do peito fazia com que o rosto fosse destacado. O vislumbre fez com que meus olhos se arregalassem. Ela, madura ao mesmo tempo jovial, teria de me encarar vestindo um terno barato que usava para trabalhar - inclusive, tinha acabado de sair do trabalho direto para a comemoração.
Os segundos, sempre tão velozes e ariscos por entre os dedos, repentinamente pareceram diminuir suas passadas. A sensação era estática. Como o admirador de uma obra de arte que passa minutos apenas observando e absorvendo os estímulos de um quadro de museu, as memórias iam ao meu encontro enquanto eu assimilava as imagens apresentadas na mente. Assim como nos últimos meses do relacionamento, as lembranças começaram a enrijecer e ganhar tons melancólicos. De estático espectador de arte, relembrar agora era como estar em um trem em alta velocidade, que abria passagem através de placas de memórias feitas de madeira. Conforme quebravam contra o corpo, as memórias iam perdendo tons até chegarem nas últimas - um término gravado na memória em preto e branco.
A metros da mulher com quem um dia compartilhei a cama, taças de vinho e emoções, um mal estar sucede os outros sentimentos. No estômago, uma ânsia e a azia me atacam. Porém, não uma espécie natural de dor. Não somente uma injúria causada por má alimentação ou genes bastardos. A sensação, apesar de parecer residir em algum lugar físico, atingia mais um ponto psicológico, me desestabilizando.
Meu subconsciente talvez soubesse, mas fez questão de não permitir que tomasse nota que ela estaria no mesmo local. Chego a pensar que meu amigo tinha preparado essa festa na véspera do Natal com o intuito de nos reunir. O pensamento presunçoso se desmantelou quando lembrei que ele era amigo em comum de ambos.
Fizemos contato visual.
Presente
Bem decorada com pisca-piscas brancos reluzindo próximo ao telhado e bolas brilhantes penduradas em um arbusto qualquer, a cobertura estava movimentada com jovens bebendo drinks e rindo ao som de algum tema natalino. Sentada do lado de fora, uma expressão convidativa me atrai.
Ando em sua direção. Não convicto, mas, salvo pela pouca bebida e pelo resto do orgulho que me agarro, também não cambaleante. O caminho até ela é curto, mas a distância na mente parece não ser contada em passos, pois um corredor polonês de pensamentos insiste em me bombardear com inseguranças. Apesar de todo barulho ao redor, quando chego ao seu lado, a festa desliga. O mundo ao redor parece desfocado.
O diálogo começa insosso e lento. Novidades? E o emprego? Viagens? Como foram os últimos encontros seus? A intimidade existe, mas ainda é (re)reconhecida. Assim como quem tateia no escuro para descobrir o rosto de outrem do anonimato, as frases tiram o pó e atualizam um ao outro, até que somos consumidos por um isolamento que despe de pudor.
- Faz quando tempo mesmo?
- Eu acho que um ano só.
- Sinto como se fosse uma eternidade. Sabe, aconteceu tanta coisa e tantas pessoas depois disso e... É bom te ver de novo. Mas eu não sei o que sentir.
- Eu também não. Não tenho a mínima ideia. Eu só sei que não vou estar aqui para sempre.
- Eu sei. Também não peço isso.
- Eu eu sei que você não pede isso. Nunca pediu. Isso também pode ser um defeito, sabia? Inclusive era desde que te conheci.
- Você diz ser independente? Ter mais sonhos e menos amarras? Estou sendo uma pessoa egoísta por me prezar demais?
- Não é egoísmo. Se fosse egoísmo, eu também seria um egoísta e um hipócrita. Mas pensar em mim não significa necessariamente pensar só em mim. Significa pensar nas coisas que também me afetam. Não é ser egoísta. Significa pensar também naqueles que quero bem. Eu quero você bem.
- Eu agradeço a honestidade, mas... eu apenas não quero concretar minha mente e dividir entre aqueles que carrego comigo para me preocupar e aqueles que deixo sozinhos. Eu tenho batalhas internas que não sei apaziguar, nós que eu tenho que desfazer. Eu preciso estar bem comigo mesma antes de ter outros comigo. E eu quero que você também esteja bem consigo para estar bem comigo.
- Como? Eu sou volátil. Como estar bem com alguém que muda constantemente de opinião?
- Eu não tenho essa resposta. Mas você sabe como ser mútua com alguém volátil sendo que também se é volátil?
- Eu também não tenho essa resposta.
Parece que o ciclo se fecha: a ansiedade pelo presente, a negação de um futuro e a aceitação do passado.
Ela se foi. Prometemos manter contato. Não sei se culpo a bebida ou a véspera de Natal por isso. São erros cometidos durante o ambiente criado pelo momento. Isso é apenas mais um fio de esperança que insisto em me pendurar. O contato não acontecerá... eu acho...
Tenho pouco a relatar. Agora são apenas dados jogados ao acaso, onde torço para que os números caiam ao meu favor. Mas esperar para que as probabilidades me ajudem é inútil.
A gente sempre aguarda ansiosamente pelo presente da data de Natal, até se decepcionar com o que tem dentro da caixa. Se a decepção é a única coisa certa, qual o sentido em aguardar?
Ando em sua direção. Não convicto, mas, salvo pela pouca bebida e pelo resto do orgulho que me agarro, também não cambaleante. O caminho até ela é curto, mas a distância na mente parece não ser contada em passos, pois um corredor polonês de pensamentos insiste em me bombardear com inseguranças. Apesar de todo barulho ao redor, quando chego ao seu lado, a festa desliga. O mundo ao redor parece desfocado.
O diálogo começa insosso e lento. Novidades? E o emprego? Viagens? Como foram os últimos encontros seus? A intimidade existe, mas ainda é (re)reconhecida. Assim como quem tateia no escuro para descobrir o rosto de outrem do anonimato, as frases tiram o pó e atualizam um ao outro, até que somos consumidos por um isolamento que despe de pudor.
- Faz quando tempo mesmo?
- Eu acho que um ano só.
- Sinto como se fosse uma eternidade. Sabe, aconteceu tanta coisa e tantas pessoas depois disso e... É bom te ver de novo. Mas eu não sei o que sentir.
- Eu também não. Não tenho a mínima ideia. Eu só sei que não vou estar aqui para sempre.
- Eu sei. Também não peço isso.
- Eu eu sei que você não pede isso. Nunca pediu. Isso também pode ser um defeito, sabia? Inclusive era desde que te conheci.
- Você diz ser independente? Ter mais sonhos e menos amarras? Estou sendo uma pessoa egoísta por me prezar demais?
- Não é egoísmo. Se fosse egoísmo, eu também seria um egoísta e um hipócrita. Mas pensar em mim não significa necessariamente pensar só em mim. Significa pensar nas coisas que também me afetam. Não é ser egoísta. Significa pensar também naqueles que quero bem. Eu quero você bem.
- Eu agradeço a honestidade, mas... eu apenas não quero concretar minha mente e dividir entre aqueles que carrego comigo para me preocupar e aqueles que deixo sozinhos. Eu tenho batalhas internas que não sei apaziguar, nós que eu tenho que desfazer. Eu preciso estar bem comigo mesma antes de ter outros comigo. E eu quero que você também esteja bem consigo para estar bem comigo.
- Como? Eu sou volátil. Como estar bem com alguém que muda constantemente de opinião?
- Eu não tenho essa resposta. Mas você sabe como ser mútua com alguém volátil sendo que também se é volátil?
- Eu também não tenho essa resposta.
Futuro
Ela se foi. Prometemos manter contato. Não sei se culpo a bebida ou a véspera de Natal por isso. São erros cometidos durante o ambiente criado pelo momento. Isso é apenas mais um fio de esperança que insisto em me pendurar. O contato não acontecerá... eu acho...
Tenho pouco a relatar. Agora são apenas dados jogados ao acaso, onde torço para que os números caiam ao meu favor. Mas esperar para que as probabilidades me ajudem é inútil.
A gente sempre aguarda ansiosamente pelo presente da data de Natal, até se decepcionar com o que tem dentro da caixa. Se a decepção é a única coisa certa, qual o sentido em aguardar?
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