Identidades e duas partes.

Clarisse está trancada no seu quarto
Com seus discos e seus livros, seu cansaço
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes

 Aquela que se entregava precisava sempre se reafirmar e confirmar seu amor. Sempre se mostrar como a aposta certa. Sempre mostrar que era a base para a confiança daquele que vivia escapando. A maquiagem desenhada no rosto ressaltava suas intenções. E eu sim falo de uma vida que tinha como aparência a camada mais visível de seus sentimentos. Era uma planície visível. Contudo, ao ser cavada, revelava ser um conjunto de vales, depressões e picos íngremes.

Moldada e remoldada, mostrava que era ao mesmo tempo sólida para ser o porto-seguro e flexível para ser o bote salva-vidas. Suas dores tinham que ser menores para mostrar que suportava-as e, quando eram maiores do que sua força, transbordava a emoção no peito protetor dele, indicando se sentir segura nos braços do interlocutor.

Por vezes essa entrega saía como invasiva ou possessiva. Outras vezes como exagerada. Por tantas outras como barata e tongue-in-cheek. Porém se projetava melhor com aquele que a fazia se instigar, sentir e buscar o maior. Sabia que teria uma identidade sem o rapaz desejado, mas ela também tinha desejos únicos e exigências que se agarrava e seguia como uma Estrela Polar. 

Era vívida. Era intensa. As interrupções das vírgulas ou a quietude das reticências que ele insistia em pontuar nunca foram o bastante para sua angústia de vida, que só um ponto final resolveria. A palidez dos tons pastéis dos sentimentos empregados e impregnados por aquele nunca foi o suficiente para o oscilante degradê por esta vivenciado. 

Precisava enterrar as incertezas corretamente, nos sete palmos abaixo da terra. Cova rasas não são passíveis de abrigar a forte (ainda que muito desgastada por intemperismos) emão.
 
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Na eterna busca de aprovação, aquela que se entregava encontrava - lá no fundo - o olhar mudo como retorno. O contorno dos olhos esculpido na pele negra ressaltava a expressão inóspita. E eu não estou falando de momentos limitados. Eu falo de uma vida baseada em sentimentos que nunca atravessaram a melanina e desabrocharam à flor da pele para florescer no sol. 

Talvez fizesse isso pois decidiu apenas observar. Ele sempre foi mais espectador do que aqueles que rompem a barreira do som com suas histórias. Apesar de ainda cordial e carismático, avançava lentamente nos terrenos lamacentos ou arenosos dos relacionamentos e da socialização.

Talvez fizesse isso por nunca ter a prática de ser aberto. Por vezes, quando baixava a guarda, deixava-se invadir por sentimentos e pensamentos, por pessoas, objetos e lugares, por sensações e experiências que, tal qual erva daninha, se espalhavam por sua paz de espírito.

Talvez fizesse isso porque, cansado de carregar o fardo de mágoas, resolveu se autoproteger como forma de evitar apedrejamento social. As marcas fundadas - no corpo, coração e mente - são lembranças empíricas de erros cometidos ou dores incicatrizáveis   e que obrigavam o retrocesso à escura e solitária caverna de seus pensamentos.

Ele e suas idiossincrasias não encontravam repouso em muitas mentes. Não era a dela que o fazia sentir isso. Tinha outras convicções e outros horizontes que pretendia seguir. Tinha na sua timidez uma identidade conhecida por poucos.

Se cruzaram diversas vezes, mas nunca seguiram paralelamente. Enquanto ela dominava as relações vinda do exterior, ele era responsável por controlar as explosões que maculavam o interior.

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